A Vitória de Pirro Russa

A expressão "Vitória de Pirro" é conhecida no mundo militar por significar que o lado vencedor da Guerra está a pagar um custo demasiado alto. Vem do Rei grego Pirro, que em 280 AC depois de vencer várias batalhas contra o poderoso exército romano na Guerra Pírrica, disse aos seus soldados durante os festejos que mais uma vitória igual o arruinaria completamente.

Após três meses exatos da Operação Especial Russa na Ucrânia ou, como eu prefiro chamar-lhe, Guerra da Ucrânia, podemos perguntar quem é que está a vencer a mesma. A resposta é complexa, mas eu diria que Putin estará neste momento com a mesma sensação que Pirro teve no seu combate contra os romanos. Está a Vencer a Guerra, sim, mas a um preço elevadíssimo.

Vamos por partes, até porque a Rússia alterou radicalmente a sua estratégia durante a invasão. Putin cometeu no princípio erros estratégicos graves porque começou por acreditar numa Guerra Relâmpago, uma tática militar inventada pela Alemanha, por isso também chamada de Blitzkrieg, para conseguir vitórias rápidas nas invasões. A Blitzkrieg na Segunda Guerra Mundial era dividida em três fases; a Prioridade, a Penetração e o Objetivo Final. 

A Prioridade passava pela concentração de tanques de Guerra (os famosos Panzer) em solo inimigo para tirar vantagem do efeito surpresa; a Penetração era o avanço das restantes tropas para o terreno com o objetivo de evitar a organização defensiva; o Objetivo Final procurava então o controle total do território e a desmoralização do inimigo. Eventualmente, uma quarta fase era utilizada para eliminar as últimas bolsas de resistência.

Putin não pensou em algo muito diferente na primeira fase, mas o seu primeiro problema foi que, graças à evolução tecnológica na Artilharia, nas armas anti-tanque e nos drones aéreos militares, os tanques perderam definitivamente a sua capacidade demolidora da Segunda Guerra Mundial.

A 24 de Fevereiro a Rússia invadiu a Ucrânia em três frentes de Guerra: a Norte, com o objetivo claro de conquistar as duas maiores cidades ucranianas (Kiev e Kharkiv) e aproveitando a fronteira que o seu aliado Bielorrússia tem com aquele país; a Leste, para controlar as regiões separatistas de Luhansk e Donetsk (que foram a região de Donbass); a Sul, com a ajuda da previamente ocupada região da Crimeia para controlar totalmente o acesso ao Mar Negro e ao Mar de Azov.

Esta Guerra Relâmpago teve um efeito destruidor enorme, mas expôs os tanques russos às primeiras armas descartáveis que os ucranianos receberam de países externos, principalmente a FGM-148 Javelin americana e a Next generation Light Anti-tank Weapon (NLAW) sueca e britânica. Não foi um pormenor o facto da Ucrânia produzir também as suas próprias armas Anti-Tanque, a Stugna-P.

Não se considere, no entanto, que tudo se resumiu a tanques e armas anti-tanquejá que os ucranianos receberam desde o princípio todo o tipo de armamento, incluindo o drone turco Baykar Bayraktar TB2. No entanto, e face ao enorme poder devastador de todo o Exército Russo, a melhor tática ucraniana foi a de tentar transformar uma Guerra em Guerrilha, de forma a causar o maior estrago possível nos russos sem se expor demasiado.

O que se sabe é que a partir do princípio de Abril Putin desviou as sua tropas do Norte para a região do Donbass, onde a Rússia tem avançado, apesar de vagarosamente, para o controle de várias cidades importantes. No momento em que escrevo este texto, os principais combates em Donbass ocorrem nas urbes de Severodonetsk, de Lysychansk (onde apesar de tudo os russos sofreram a maior derrota até ao momento na tentativa de cercar a cidade) e de Popasna.

A partir do Sul, as forças russas concentraram-se essencialmente no controle de Mariupol, cuja conquista lhes permitiu já o controle total do Mar de Azov. Para tal cercaram a cidade a partir de duas frentes, uma saída da Crimeia (controlada pela Rússia desde 2014) e outra de Donetsk (esta composta apenas por separatistas ucranianos e militares tchetchenos). O cerco da cidade, que durou cerca de um mês, e o controle do mar de Azov, impediu a resistência ucraniana de ser reforçada. Assim, a mesma foi-se encolhendo até se limitar à grande fábrica daquela cidade como último reduto.

Não se pense, no entanto, na Fábrica Azovstal como uma pequena unidade de produção. Era, na verdade, uma autêntica cidade que teve que ser bombardeada dias a fio antes de ser conquistada, e de onde Putin chegou a ordenar que os seus soldados saíssem por estarem a ser massacrados nas lutas urbanas. Os ucranianos renderam-se a 17 de Maio.

É impossível saber o número de mortes militares de cada um dos lados deste conflito, até porque os dados conhecidos são sempre manipulados pelos próprios, mas Volodymyr Zelenskyy já admitiu a morte de pelo menos 50 ucranianos por dia. Do lado russo, a maior parte das fontes falar em cerca de quinze mil mortes. Sendo impossível confirmar estes números, o que podemos ter a certeza é que esta lenta vitória russa é também uma vitória de Pirro.

Entenda-se, claro, este texto como uma mera opinião e análise militar. O custo e o sofrimento dos Civis é o maior de todos e, por aí, não há Pirro que aguente.

Links adicionais:

The Guardian (Armas fornecidas à Ucrânia)

NLAW oficial 

Forces (vídeo sobre Azovstal) 

BBC (armas para a Ucrânia) 

Understanding War (a segunda fase russa) 

A Guerra Relâmpago (tese) 

Ohchr (vítimas civis)

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